O papel das editoras e o surgimento da Abrelivros
A história do livro escolar no Brasil é indissociável da atuação das editoras. Ainda no final do século 19, a partir dos anos 1880, Francisco Alves, no Rio de Janeiro, percebeu a demanda gerada pelo incremento no número de escolas no país e lançou os famosos “livros de leitura”, que abordavam temas diversos, de história a biologia, passando por folclore.
Mais tarde, nos anos 1920, surgiu um marco da maior relevância na histórica relação das editoras com a Educação: a Companhia Editora Nacional, criada pelo escritor Monteiro Lobato e seu sócio Octalles Marcondes Ferreira. Um de seus primeiros lançamentos, Gramática expositiva, apontou a direção preferencial pelos didáticos.
Nas décadas seguintes, o livro escolar seguiu seu caminho de evolução e amadurecimento, sempre com uma participação relevante no setor editorial, apesar do papel centralizador de iniciativas governamentais. A própria Companhia Editora Nacional é um exemplo disso: com vendas de quase 6 milhões de exemplares, a empresa viveu seu apogeu em meados da década de 1950, respondendo por cerca de 50% do mercado de obras escolares.
Foi a partir dos anos 1960, porém, com o crescimento da rede pública de ensino e o consequente aumento no número de matrículas, que novas e importantes perspectivas se abriram para as editoras que se dedicavam às obras escolares. A partir de iniciativas governamentais e também do fortalecimento do mercado privado, as tiragens aumentaram substancialmente e alguns livros alcançaram a casa dos milhões de exemplares. Em 1974, foram impressos mais de 100 milhões de unidades, cerca de quatro vezes mais do que dez anos antes; e, em 1979, o segmento de didáticos já correspondia a mais de um terço do mercado editorial.
A consolidação desse mercado foi possível graças ao trabalho consistente das editoras tradicionais e também à entrada de novas companhias, que despontaram com base em experiências bem-sucedidas voltadas aos cursos supletivos e aos pré-vestibulares, trazendo inovações e transformações determinantes para o futuro dos livros escolares no país.
Em uma frente, destaca-se o fato de as obras terem ganhado em tamanho, abrindo espaço para mais ilustrações e fotos, além de tratamento tipográfico que facilitava a leitura. Ao mesmo tempo, as editoras se aproximaram mais dos professores, divulgando suas publicações, por meio de exemplares especiais para uso docente.
No entanto, o impulso mais importante ao trabalho das editoras de livros escolares veio mesmo com a redemocratização do país, na segunda metade da década de 1980. A consagração do conceito de Educação para todos na Constituição de 1988 e as políticas educacionais da década de 1990 traduzem na prática o espírito renovado que se disseminava nos ensinos público e privado.
Com a criação e a estruturação do PNLD, e a instituição de mecanismos de avaliação das obras escolares, o desafio que se apresentava era o da qualidade editorial. Nesse contexto, é emblemático o surgimento em abril de 1991 da Abrelivros, inicialmente com dez editoras associadas: Ao Livro Técnico, Ática, Atual, Brasil, Caminho Suave, FTD, Lê, Moderna, Saraiva e Scipione. A iniciativa abriu caminho para o fortalecimento inédito do diálogo das editoras com o governo federal e o Ministério da Educação (MEC).
O esforço conjunto dos órgãos governamentais e das editoras resultou em significativos aprimoramentos gráficos e editoriais — da linguagem empregada à utilização moderna de recursos visuais — e em uma maior qualificação e adequação dos livros às propostas de ensino-aprendizagem vigentes.
Além disso, outras iniciativas também contribuíram para o fortalecimento do papel desempenhado pela Abrelivros, em especial a participação em debates fundamentais para a evolução da Educação — por exemplo, sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Em 2009, a entidade também contribuiu ativamente para a elaboração do Decreto do Livro, que institucionalizou os programas do livro escolar.
“Mercado e programas governamentais evoluíram juntos”
Professor, autor e executivo com atuação em várias editoras, Vicente Paz acompanhou de perto a evolução do setor de livros escolares no Brasil. Seu relato atesta a forma como se dava o relacionamento entre os órgãos de governo e todos os que estavam envolvidos nas obras voltadas às escolas.
Ele próprio participou da Comissão Editorial, fundamental para responder às novas demandas que surgiram quando o mercado governamental se estruturou, definindo critérios mais claros de seleção e compra de obras. “O que se constata é a evolução conjunta dos programas de aquisição e distribuição e do trabalho de produção, impressão e comercialização dos livros”, destaca.
Ao longo de sua trajetória, Vicente também pôde comprovar, na prática, como o mercado brasileiro de livros escolares se distingue dos demais no mundo. “Tenho clara a lembrança de como os editores europeus se espantavam com os volumes adquiridos pelas diversas esferas governamentais e com a capacidade de as editoras atenderem a essa demanda, tanto do ponto de vista industrial como comercial e de gestão”, relata.
Com nova marca, Abrelivros fortalece princípios
Em 2021, a Abrelivros completou 30 anos. A comemoração veio acompanhada de reflexões importantes sobre o papel a ser desempenhado pela entidade que, nesse período, experimentou avanços significativos. Assim, a Abrelivros lançou sua nova marca e, ao mesmo tempo, revisitou seu planejamento estratégico, reforçando seus princípios fundamentais, como a crença no papel transformador da Educação, com base na qualidade e na pluralidade de conteúdos, metodologias e públicos, buscando primordialmente o aprendizado dos estudantes.
Como propósito, a entidade expressa com clareza este desafio: “Melhorar a qualidade da Educação pública e privada, por meio da valorização e democratização de conteúdos educacionais alinhados com as demandas do mundo atual”.
A Abrelivros compromete-se a trabalhar e ser reconhecida pela defesa da qualidade dos conteúdos educacionais e pela representatividade de seus associados. Entre seus valores centrais estão a pluralidade, a ética e a integridade, a transformação, o diálogo e o compromisso com a sociedade e com a Educação.
“A associação é respeitada por sua seriedade e pelas contribuições que realiza para a produção de conteúdo e tecnologia educacional, numa visão ampla de sua missão”, comenta Beatriz Grellet, gerente executiva da Abrelivros.
Nesse sentido, foram marcantes em 2020 e 2021 a mobilização em torno de temas essenciais, como o Novo Ensino Médio e a proposta tributária, e sobretudo o abaixo-assinado “Em Defesa do Livro”, elaborado em parceria com a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL).
Jorge Yunes, que já foi presidente da Abrelivros e hoje ainda integra sua diretoria, vê o atual momento como um estágio importante da evolução de crescente representatividade da organização, do ponto de vista comercial e técnico. “Ao longo dos anos, buscamos nos profissionalizar cada vez mais para atender o mercado, com foco na estruturação do setor, aperfeiçoamento da relação com as esferas governamentais e no esforço de melhoria da Educação”, afirma.
A Abrelivros também está alinhada aos novos recursos e estratégias de aprendizagem, a partir do progresso das tecnologias educacionais, que naturalmente geram novas demandas à produção de conteúdos. “O mercado teve de se adaptar ao digital de uma forma e com uma velocidade não esperadas. Isso ia acontecer com o tempo, mas tudo foi antecipado pela pandemia”, destaca Yunes.
Ao longo do tempo, mudanças da marca evidenciaram a evolução e o dinamismo da entidade.