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Importância para escolas, professores e alunos

Para compreender a importância do PNLD para a Educação brasileira, é preciso dar um passo atrás e discutir o papel do próprio livro escolar. Trata-se de um olhar para múltiplas dimensões: do livro como garantidor de direito; como orientador do currículo; como formador de professores e, claro, como ferramenta essencial para reformas educacionais e para a implantação de políticas públicas.

Para o professor Carlos Roberto Jamil Cury, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais e um reconhecido especialista na história da Educação brasileira, o livro escolar vem sendo um mediador de um dos mais importantes direitos sociais: o direito à Educação. Ele lembra que o inciso constitucional que garante o ensino também tem por princípio assegurar o acesso a um padrão de qualidade — para o qual também contribuem as obras didáticas.

Conforme Jamil Cury, o livro é fator do que chama de “segurança cognitiva” para o aluno. “A qualidade do ensino envolve a incorporação de conhecimentos que se tornaram patrimônio comum da humanidade. Essa qualidade, expressa em conhecimentos básicos e consensuais, é uma herança de que as novas gerações não podem se ver privadas, seja qual for a sua origem social”, argumenta o pesquisador.

Na mesma linha de garantir a todos os cidadãos acesso ao conhecimento, o próprio pesquisador chama a atenção para outro papel historicamente desempenhado pelas obras didáticas. “O livro sempre foi um currículo para as escolas. É claro que o professor deve ter condições de levar adiante, trabalhar conforme sua competência”, lembra. “Mas, na primeira metade do século passado, a cartilha já funcionava como um roteiro para o exame de
admissão no que se chamaria de Ginásio”, conta o pesquisador.

Foto de uma mulher que sorri olhando para a câmera. Ela tem cabelos pretos, crespos e presos e um rabo de cavalo. Veste uma blusa amarela de manga curta e tem os braços cruzados. Ao fundo, uma lousa preenchida com problemas matemáticos.

Os livros do PNLD levam aos estudantes conhecimentos que se tornaram patrimônio comum da humanidade.

Daí sua importância também como um instrumento de formação dos educadores, com uma formação inicial nem sempre ideal e com pouco acesso a oportunidades de educação continuada. “O livro escolar é o maior formador de professor desse país. Se os novos conceitos de aprendizagem e o espírito da BNCC do Ensino Médio não estiverem impregnados no livro, não se implanta a BNCC”, acredita a ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Maria Inês Fini, uma das responsáveis pela criação do Enem. 

Não é exagero. Muitas vezes, os próprios livros didáticos representam um vetor de formação que propõe ao docente uma nova visão sobre a organização do conhecimento (por exemplo, em áreas), trazendo sequências didáticas, projetos interdisciplinares, foco em competências, apoiando a transformação do próprio papel da escola e do professor. Além disso, com frequência as próprias editoras realizam um grande esforço de formação continuada de educadores, em todo o país, complementando e fortalecendo o trabalho do Ministério da Educação, das Secretarias de Estado e de Municípios.

Foto de um homem de meia idade que sorri para a câmera. Seus cabelos são curtos e claros. Ele usa óculos de aros redondos e tem barba. Veste uma camisa branca e um paletó preto.

Vitor de Angelo, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).

Que o diga Vitor de Angelo, o atual presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). Para ele, o PNLD é uma política pública relevante do ponto de vista formal, pelo seu alcance, mas também pelo seu caráter substantivo. “Os livros servem de apoio para alunos e professores no processo de ensino-aprendizagem”, lembra. Isso não é pouco — e para entender o alcance dessa definição basta voltar alguns meses atrás, quando teve início a pandemia de covid-19. “Quando as escolas ficaram fechadas, o fato de termos livros à disposição foi fundamental, pois faltava acesso à internet para muitos alunos. O livro foi um dos poucos materiais de qualidade para dar prosseguimento ao processo educacional como um todo”, conta Vitor de Angelo.

Esse papel é particularmente importante para os municípios, como lembra o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia. Segundo ele, 80% dos municípios brasileiros possuem menos de 20 mil habitantes e precisam de apoio para a formação. Por isso, o conjunto de ações que começa no livro, passa pela formação e chega ao monitoramento da qualidade de ensino é essencial, e precisa acontecer de forma mais integrada e veloz. “O PNLD é muito importante como um garantidor da qualidade”, diz Garcia. “Historicamente vem cumprindo o seu papel e agora precisa ser repaginado para os desafios dos novos tempos”, defende.

Foto de um homem que está à frente de um púlpito, com um microfone na mão direita. Seus cabelos são curtos e escuros. O homem usa óculos de aros arredondados, veste uma camisa branca, um paletó escuro e uma gravata.

Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Por todas essas características, o livro escolar alcançou um lugar bem maior do que o de um objeto de uso educacional. Traz em si a simbologia do acesso ao conhecimento possível a todos, como titulares de um direito garantido pelo Estado brasileiro. 

Livro didático e reformas curriculares

Não é possível falar de políticas educacionais sem se lembrar de um grande movimento iniciado na década passada: a introdução da BNCC e do novo Ensino Médio, talvez a mais significativa mudança nesta etapa desde a
década de 1970.

Fruto de debates acontecidos em múltiplas instâncias, envolvendo poder
executivo e legislativo, universidades, entidades corporativas, conselhos de Educação e consultas públicas, a introdução da BNCC sempre teve um ponto consensual: a importância de se contar com o livro didático como um vetor decisivo na implantação das reformas.

Para as editoras, esta é uma responsabilidade conhecida há bastante tempo. Ao longo da história da Educação brasileira, os livros didáticos vêm se mostrando pilares fundamentais da implantação de políticas públicas. “Foi assim com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), com as Diretrizes Curriculares Nacionais, com a reforma ortográfica, e agora está sendo com a BNCC e com a reforma do Ensino Médio”, ressalta Beatriz Grellet, gerente-executiva da Abrelivros.

A reforma do Ensino Médio é um caso especial. Desta vez, as mudanças exigem o que o ex-secretário da Educação, Eduardo Deschamps, chama de “mudança cultural”. Além de estabelecer um teto para o número de horas dedicadas à formação geral básica — ou seja, aquela comum a todos os brasileiros que estão na escola de Ensino Médio —, a reforma introduz a figura dos itinerários formativos. 

Trata-se de um arranjo que confere ao sistema uma flexibilidade inédita. Se antes a carga horária do Ensino Médio era de 2.400 horas, agora será de 3.000 horas, sendo que 1.800 horas serão destinadas para as aprendizagens previstas pela BNCC, e 1.200 horas serão voltadas para os itinerários formativos.
Ou seja, cada escola deve dedicar um mínimo de 1.200 horas, ao longo dos três anos dessa etapa, para oferecer aos alunos diferentes percursos de aprendizagem nas áreas do conhecimento, coerentes com os interesses dos jovens.

O foco no desenvolvimento das competências estabelecidas na BNCC e a possível integração dos conteúdos em áreas do conhecimento, por essência interdisciplinares, acrescentaram novo grau de complexidade ao trabalho do professor. Por isso, todo o processo da reforma incluiu também o PNLD do Ensino Médio. 

Evidentemente, os editores e as associações que representam o setor, especialmente a Abrelivros, foram chamados à discussão em diferentes momentos. “Sabemos o quanto é importante que haja materiais escolares de muita qualidade. A Abrelivros tem feito um trabalho essencial para trazer mais qualidade para a sala de aula”, ressalta Alice Ribeiro, diretora de Articulação do Movimento pela Base. “Os livros escolares são apoiadores e mais — são indutores e, muitas vezes, precursores do que pode ser feito em sala de aula”, diz.

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